Ilustração de Felipe Alves |
Por Aristides Leopardo
Até 1975, o atual estado do Rio de Janeiro, como se sabe, era dividido em dois:
Guanabara, que compreendia a cidade do Rio de Janeiro, e Rio de Janeiro,
com sua capital em Niterói, que englobava todo o interior do ente federativo
que conhecemos hoje. Essa divisão não era restrita ao setor político-
administrativo;também era respeitada no futebol: na Guanabara se
disputava o Campeonato Carioca, denominação legada ao certame atual
(de forma equivocada).
Já o Campeonato Fluminense, disputado por clubes do estado do Rio,
produziu campeões hoje desaparecidos dos registros.
Para a cidade do Rio de Janeiro, capital do país desde 1763, a construção
de Brasília, inaugurada em 1960, significou um esvaziamento de sua
importância nacional, já que toda a estrutura dos Poderes foi paulatinamente
transferida para a nova capital. A cidade, que já fora Município Neutro da
Corte e Distrito Federal, passou a ser denominada estado da Guanabara,
o que duraria até a criação da Lei Complementar Federal nº 20, de 1974,
decretando que a Guanabara fosse, até o ano seguinte, fundida ao estado
do Rio de Janeiro. Os clubes da capital disputavam o campeonato organizado
pela Federação Carioca de Futebol (FCF), e os times do estado do Rio,
eram filiados à Federação Fluminense de Desportos (FFD), jogando seu
próprio certame.
A imprensa insiste em chamar o atual certame de “carioca”, termo referente aos
nascidos na antiga Guanabara. Assim, os campeões fluminenses nem sequer
são relacionados como vencedores dos torneios estaduais em periódicos
especializados. Hoje, quando um jovem do estado do Rio é indagado sobre
qual o time de sua preferência, logo indica um dos quatro grandes da capital.
Mas os clubes de suas cidades marcaram época e travavam duelos em lotados
estádios fluminenses.
Os jogadores dos anos de aurora do futebol fluminense – o primeiro match
realizado em Campos dos Goitacazes foi em 1912 – eram filhos de fazendeiros,
médicos, advogados, ou estrangeiros que trabalhavam em companhias como
a inglesa Leopoldina Railway ou a canadense The Rio de Janeiro Tramway, Light
and Power.
Os menos abastados, no entanto, foram se interessando pelo novo jogo. Os
grandes empresários logo notaram a força do futebol. Por isso, desde os
primeiros times surgidos no estado, o apoio dos patrões se faz notar,
notadamente,em Campos, que, com a capital do antigo estado do Rio, Niterói,
foram as cidades com mais e melhores times.
A elite canavieira ajudou mais de 20 associações a nascer, inclusive algumas que
chegariam à era profissional do futebol. Em Petrópolis, a indústria têxtil foi a
grande impulsionadora; em Volta Redonda, o clube local teve apoio da Com-
panhia Siderúrgica Nacional (CSN); em Mendes, houve um time chamado
Frigorífico, que girava em torno deste, e, finalmente, em Niterói foram diversos
clubes oriundos de empresas industriais, com apoio maciço do patronato.
Um desses times “operários” foi o Campos Athletic Association, fundado em
26 de outubro de 1912, que apesar do nome pomposo foi criado por negros
e mulatos, o que é mostrado em seu escudo, que tem as cores roxa e preta,
representando respectivamente o mulato e o negro, grupos predominantes
entre os adeptos iniciais. Era, junto com o Goytacaz, o representante das
classes populares campistas. Outra façanha do Campos, esquecida no
passado, é que o Roxinho foi campeão (municipal) contando com jogadores
negros em 1918, antes do Vasco da Gama de 1923, que arroga essa primazia.
Com a proliferação dos clubes, é criada em Niterói, em 7 de janeiro de 1925,
a Federação Fluminense de Desportos (FFD), porém, somente em 1951
apareceu sua Divisão de Futebol Profissional (DEP), que teve como
clubes fundadores Adrianino A. C. (da cidade de Engenheiro Paulo de
Frontin), Barra Mansa F. C. (da cidade de mesmo nome), Central E. C.
(Barra do Piraí), Clube dos Coroados (Valença), Esperança F. C.
(Nova Iguaçu) e Fonseca A. C. (Niterói), tendo os clubes de Campos
se filiado ao DEP no ano seguinte, já que, como seu campeonato
municipal detinha muita força, eles relutaram em aderir.
De 1942 a 1946, os campeões municipais representavam sua cidade
no campeonato fluminense de seleções, que foi o embrião do campeonato
estadual. Os campeões foram o Icaraí (Niterói), em 1942, o Royal
(Barra do Piraí), em 1943, o Icaraí, em 1944, o Petropolitano (Petrópolis),
em 1945, e o Serrano (Petrópolis), em 1946. Em 1952, o profissionalismo
foi oficialmente implantado, ainda que sempre esbarrando nas ligas
campista e niteroiense, que possuíam seus tradicionais campeonatos
locais. Em certo momento, o vencedor do confronto entre os campeões
de Campos e de Niterói foi considerado o campeão do estado.
Ainda assim, constam como campeões fluminenses agremiações como o
Adrianino (Engenheiro Paulo de Frontin), em 1952; o Frigorífico, de
Mendes, em 1955; o Coroados, de Valença, em 1956; o Manufatura
(Niterói), em 1958; o Barbará, de Barra Mansa, em 1972 e 1973
e o Sapucaia, em 1974. Depois da fusão, mais quatro campeonatos
com os clubes do interior se realizaram, já sem apelo.
Os clubes do antigo estado do Rio ainda participaram da Taça Brasil,
principal torneio brasileiro na época, criado em 1959 para apontar
um campeão para a disputa da Taça Libertadores da América.
O Manufatura foi o primeiro representante fluminense na Taça
Brasil, disputada nos moldes da atual Copa do Brasil, seguido
pelo Fonseca, em 1960 e 1961. Em 1962, o Rio Branco, de
Campos, campeão fluminense de 1961 foi o representante.
O extinto Eletrovapo, de marítimos de Niterói participou em 1965.
A maioria dos clubes que disputavam o antigo campeonato
fluminense voltou ao amadorismo, outros transformaram-se
em clubes apenas sociais ou fecharam as portas. Alguns
precisaram se fundir, criando os atuais Volta Redonda e Friburguense.
Com as transmissões dos jogos dos clubes cariocas pelo rádio
chegando a todo o Brasil desde a década de 1930, esses times
conquistavam torcedores por todos os cantos do país – e com
os ouvintes do antigo estado do Rio de Janeiro não seria
diferente. À medida que os interioranos se aproximavam dos
grandes clubes da capital, gradativamente se desinteressavam
pelo futebol local.
O primeiro grande golpe foi quando o Canto do Rio, clube mais
popular de Niterói, se profissionalizou, em 1941 e conseguiu
licença para jogar o campeonato do estado vizinho, já na era
profissional, enquanto o estado do Rio continuava amador.
Outro golpe decisivo foi a decadência da indústria do açúcar em
Campos, que fez dezenas de usinas fecharem as portas nas
décadas de 1960 e 1970. Como consequência, os clubes não
encontraram suporte para continuar suas atividades.
Após a fusão, nenhum clube do interior conseguiu uma conquista de
maior expressão. Americano e Volta Redonda ganharam turnos do
Carioca e só. E assim a memória do futebol no Rio de Janeiro foi
se apagando, deixando cair no esquecimento uma parte
fundamental de sua história e agremiações que durante décadas
alimentaram a paixão pelo esporte.
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