sábado, 5 de outubro de 2013

Torcendo pelo touro

     Na monumental praça de touros de Sevilha, durante a copa do mundo da Espanha 1982, um deslumbrado torcedor brasileiro ao ver passar o toureiro à sua frente ovacionado pela multidão que lhe atirava flores, leques e mantilhas, jogou-lhe como suprema homenagem o pé direito de sua surrada conga(tênis popular e de baixo custo da época).






     Este foi um dos episódios de uma tarde inesquecível, em que os Canarinhos Brasileiros avacalharam completamente essa secular e sagrada instituição espanhola que são as touradas.

     O torcedor da conga, na verdade, foi o único que se comportou corretamente, torcendo pelo toureiro como manda as velhas e respeitadas regras das touradas. Os outros, ou seja a imensa e vibrante torcida brasileira do futebol, com suas camisas amarelas, fitinha na testa e bandeira na mão, entrou na praça de Sevilha decidida a torcer pelo touro, fato que em qualquer parte da Espanha é considerado no mínimo uma heresia.



Touradas, tradição secular na Espanha


     Mas, acima da tradição,  falou a boa índole do brasileiro. Ele não de conforma com aquela luta desigual onde são dadas ao toureiro todas as vantagens e ao touro só se concede uma opção: a de se deixar matar. Ao tomar, porém, essa posição pró-touro, a torcida canarinho do Brasil ofereceu um espetáculo jamais visto em arenas e que será relembrado através dos tempos pelos amantes da touromaquia com vergonha e indignação.

     O primeiro impacto surgiu quando o touro ao entrar na arena , ainda meio tonto com a claridade forte, foi recebido em vigorosos aplausos da s arquibancadas repletas de brasileiros. Facilmente identificados por suas camisas amarelos cheguei, os canarinhos agitavam bandeiras sudando o touro com o entusiasmo que dedicam ao seu time de coração quando adentram o gramado dos estádios. Era contudo apenas o começo. Logo depois, quando o picador no seu cavalo cercou o touro e, num golpe rápido, cravou sua pontuda lança fazendo jorrar um sangue grosso e vermelho pelo seu pelo preto, uma tremenda vaia  explodiu de mistura com gritos compassados de ofensas o objetos lançados em sua direção. o picador fugiu espavorido.

     A entrada em seguida do moço das bandeirilhas, com calças justas e seu bolero bordado, foi de expectativa . Mas tão logo viram dar aquela corridinha de bailarino na ponta dos pés , os gritos de "bicha, bicha, bicha" acompanharam todo seu trajeto.


Canarinhos Brasileiros


     Nesta altura, os espanhóis estupefatos não entendiam  o que estava acontecendo, julgando-se cercados por um bando de malucos. De seu canto, aguardando o momento de entrar em ação, o toureiro, famoso matador, olhava abismado sem compreender aquela unânime, inédita e feroz manifestação a favor do touro.

     Chegou então o momento culminante. Ao som festivo dos clarins, o toureiro, solene e grave, caminhando a passos firmes, com sua longa capa vermelha atirada aso ombros, entrou na arena, e cumprindo o ritual primeiro dirigiu-se a tribuna de honra. Lá, curvando-se num gesto elegante, atirou o seu solidéu, barrete ou que nome tenha, a uma dama certamente ilustre. Em seguida, com a mesma pompa, voltou-se para o público e eme legante reverência couvou-se numa saudação fidalga. E ainda e ainda estava curvando quando da arquibancada estourou uma gritaria bem brasileira, forte e cadenciada : - Um , dois, três, quatro, cinco, mil, eu quero que o toureiro vai pra p............... que pariu !!!!!!

     Boquiabertos os espanhóis  se interrogavam: - Que passa Hombre ? Loa tipos son locos? Evidentemente não podiam compreender aquele comportamento de fazer corar de vergonha Manolete, Dominguin, Paco Camacho, El Cordobés e todos os toureiros vivos ou mortos.

     Do outro lado, arquejante, já bastante ferido e lamentando não ter nascido vaca, o touro mantinha, no entanto, um ar embevecido. Jamais, qualquer de seus antepassados recebera tamanha solidariedade. Comovido, ele olhava cheio de gratidão  os canarinhos brasileiros. E tão encantado estava que nem viu quando o matador friamente e com sua imensa espada mato-o na primeira estocada.

     Morreu feliz, certamente, por saber que na alma daqueles canarinhos brasileiros havia piedade por eles e repulsa por seu churrasco.



Parte desta postagem foi retirada do livro Histórias de Futebol, tendo como autor Sandro Moreira.
Copyrighy by Léa de Barros Pinto / Sandra Maria Moreira /  Eugênia Álvaro Moreira



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui seu comentário, é muito importante